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Disclosure: esse artigo é escrito em reconhecimento à inteligência e à sabedoria de Charlie Munger, muito conhecido por sua longeva sociedade com Warren Buffett. Munger, que está quase chegando aos 100 anos (atualmente com 98) é um usuário costumaz de modelos mentais. Em seu livro-homenagem Poor Charlie’s Almanack, é mencionado que Charlie utiliza aproximadamente 100 modelos mentais em seu processo de decisão de investimentos.

Todo mundo possui vieses. Nossas experiências prévias, criação, referências culturais e ambiente familiar afetam diariamente a maneira como vemos o mundo, e também como escolhemos entre diferentes alternativas e tomamos decisões.

Para quem está empreendendo, o processo de tomada de decisão é chave para o sucesso da startup. Alocação de tempo, de energia, de recursos da equipe: o dia é sempre preenchido por decisões importantes, e sempre estamos abrindo mão de algo. Em especial para fundadores de perfil mais técnico, que é o foco em EquitasVC, observamos que os vieses são muito presentes nas interações, seja com clientes, com colaboradores, com investidores e também com sócios.

Os vieses muitas vezes nos blindam de tomar decisões erradas, nos protegendo de cometer erros repetidos. Outras vezes, no entanto, eles nos prejudicam, pois tentamos reconhecer padrões antigos onde não existem, pois estamos enfrentando situações novas e diferentes. O processo de tomada de decisão é complexo, e os vieses são atalhos que utilizamos para decidir rapidamente. Às vezes acertamos, outras erramos. A pergunta que surge: sabendo da existência dos vieses, o que mais podemos fazer para melhorar nossas decisões? Uma das respostas é, com certeza, a utilização de modelos mentais.

Os modelos mentais são maneiras de trazer um outro ponto de vista para diferentes situações. Pegando inspiração nos mais diversos campos do conhecimento (economia, biologia, psicologia, meteorologia, física, teoria dos jogos, entre outros), eles são um excelente complemento para melhorar o nosso processo de tomada de decisão. O conhecimento sobre diferentes modelos mentais, em conjunto com os vieses cognitivos, faz com que empreendedores decidam melhor e mais rápido, o que é crítico para que está escalando uma startup.

A lista a seguir é um compilado de alguns dos modelos mentais desenvolvidos e utilizados por Charlie Munger:

1. Seja um canivete suiço

A ideia central aqui é que diferentes problemas precisam de diferentes soluções. O provérbio já diz: “Para quem tem um martelo, tudo é prego”. Para problemas complexos, é importante saber que não haverá uma ferramenta única que será a resposta para todas as perguntas. É mais inteligente ter a postura de um canivete suíço, utilizando diferentes ferramentas para diferentes situações. Esse é um modelo mental que serve de base para os outros descritos aqui: nem todo modelo mental será válido para todas as situações: é importante ter um repertório, e aplicar cada um de acordo com a situação enfrentada.

Principal conclusão para founders: problemas diferentes necessitam de soluções diferentes. É necessário desenvolver um repertório.

Para um homem com um martelo, tudo é prego: usar a mesma ferramenta para todos os problemas é certeza de má execução

2. Amizade com os mortos famosos

Aproximadamente 117 bilhões de pessoas já viveram na Terra, sendo que atualmente há 8 bilhões de pessoas vivas no mundo. Do ponto de vista estatístico, há uma grande chance de que alguém que já morreu tenha tido uma experiência de vida relevante. Além disso, a vida de pessoas mortas e famosas geralmente é bem documentada. Vale a pena estudar pessoas bem sucedidas que já viveram, entender suas experiências e seus aprendizados, para conseguir avançar com mais velocidade e com menos erros. A frase de Newton diz tudo sobre esse modelo mental.

Principal conclusão para founders: vale estudar biografias e histórias de grandes empreendedores e grandes empresas. Saber como eles escalaram pode ser útil para destravar crescimento em sua startup.

Isaac Newton, um dos maiores gênios da humanidade, fez amizade com os mortos. Eles os ajudaram a chegar à Teoria Gravitacional, entre outros feitos incríveis.

3. Inverta, sempre inverta

Perguntas complexas podem ser facilmente respondidas praticando o exercício da inversão. Imagine essa pergunta, por exemplo: “como ter um casamento feliz?”. Essa pergunta é difícil de responder, pois cada casal tem a sua dinâmica, a sua história, sua estrutura familiar. É difícil cravar uma regra. No entanto, pensando por inversão, fica muito mais fácil: “como ter um casamento infeliz?”. Sendo essa a pergunta, fica muito mais fácil criar uma lista: traição, problemas financeiros, mentiras, violência física e moral, falta de diálogo… a lista é longa e relativamente fácil de preencher. Pensando por inversão, às vezes problemas bem complexos ficam muito mais óbvios. Inverta, sempre inverta.

Principal conclusão para founders: quando enfrentar um problema complexo, reflita: o que devo fazer para não resolver esse problema?

4. Esmague seus pensamentos mais estimados

Ao longo dos anos, vamos acumulando experiências de vida. Geralmente é uma vantagem, mas às vezes nos tornamos “donos de martelo”, que sempre utilizam a mesma ferramenta para resolver diferentes situações. Esse modelo mental ressalta a importância de saber quais são as nossas crenças mais enraizadas, e tentar expressamente ignorá-las quando estamos avaliando uma nova situação. A ideia é analisar os fatos de maneira fria, e não partir para pré-julgamentos. Geralmente nossas principais crenças são aquelas que mais pesam ao tomarmos atalhos nos processos decisórios: justamente por esse motivo, devem ser as primeiras que devemos ignorar.

Principal conclusão para founders: lembre-se de que sucessos passados não são garantia de sucesso futuro. O playbook que você utilizou em uma experiência prévia provavelmente não poderá ser aplicado exatamente igual em uma nova empreitada.

5. O peso dos incentivos

Esse modelo mental é especialmente útil quando usado durante negociações. É importante sempre pensar sobre os incentivos, tanto os seus quanto os das pessoas com quem você está negociando. Eles têm um peso desproporcional na tomada de decisão. Vale refletir sobre os diferentes cenários possíveis para uma negociação, e sobre como os incentivos estarão alinhados para cada uma das possibilidades. Geralmente as pessoas irão optar pelas alternativas que maximizam os incentivos para elas: vale saber quais são esses incentivos, e trabalhar para tentar alinhá-los durante um processo negocial.

Principal conclusão para founders: em negociações (com clientes, com investidores, com colaboradores), sempre tenha clareza sobre quais são os principais incentivos de cada um dos participantes da negociação. Tente alinhar os incentivos da melhor forma que conseguir, para um resultado superior.

Entender o super poder dos incentivos é fundamental para tomar boas decisões

6. Custo de Oportunidade

Esse modelo mental explica que, ao tomar uma decisão, é necessário avaliar do que estamos abrindo mão. Em relação a ativos escassos (dinheiro, tempo, etc), geralmente estamos abrindo mão de algo quando tomamos decisões. Ter em mente os custos de oportunidade, e também tentar imaginar como eles evoluirão ao longo do tempo, é importante para termos sempre clareza do que estamos potencialmente abrindo mão.

Principal conclusão para founders: ao decidir abrir uma nova frente de negócio (novo produto, novo canal de distribuição, nova business unit), é importante ponderar que provavelmente haverá uma redução do foco no core da empresa. É prudente pesar se a decisão estratégica compensa ou não.

7. Círculo de Competência

A ideia aqui é entender a condição de contorno do seu círculo de competência e, sempre que possível, atuar dentro dele. As chances de tomar as decisões corretas, e por consequência de sucesso, aumentam quando se está atuando dentro de seu círculo de competência. Imagine um atleta de alta performance: para ter chance de sucesso, é fundamental focar em um único esporte, e se especializar. A especialização faz com que os resultados apareçam com mais frequência. Esse modelo mental é brilhantemente resumido pela frase de Thomas Watson, um dos primeiros CEOs da IBM.

Principal conclusão para founders: empreender dentro de um setor onde já possui experiência é um fator que aumenta de maneira considerável a chance de sucesso da startup. É uma das maneiras de ancorar em seus diferenciais.

“Não sou nenhum gênio, mas sou inteligente em algumas áreas… e fico perto dessas áreas”

8. Pensamento Independente

Esse modelo mental é a resposta para a questão dos incentivos: sabendo que as pessoas irão agir de maneira a maximizar seus incentivos, é fundamental você não ser influenciado em demasia pelas opiniões delas. A maneira mais eficaz de exercer isso é praticar o pensamento independente, e não seguir a opinião de outras pessoas pela posição social ou nível de influência delas. Um exemplo: nunca pergunte a um barbeiro se você precisa de um corte cabelo. Esse tipo de atitude, apesar de sempre desafiadora, evita o “efeito manada”: o que vale é analisar os dados e os fatos, e não seguir o pensamento dos outros. A geração de valor acontece quando se coloca em prática o pensamento independente (nas situações em que, naturalmente, você está certo e os outros errados);

Principal conclusão para founders: novamente durante o processo de negociações, lembre-se de que seus parceiros de negócios têm seus interesses próprios, e que eles vão agir para maximizar seus incentivos. Às vezes eles estarão alinhados com seu, mas às vezes não.

9. A pergunta mais inteligente

A pergunta mais inteligente é “por quê?”. Fazer esse tipo de pergunta, em especial em sequência, é útil para chegar à raiz da questão. Similar ao processo que as crianças utilizam para entender o mundo à sua volta, perguntar “por quê?” repetidas vezes ajuda a ignorar os fatores que não são chave, bem como verificar se eventuais suposições estão sendo feitas em bases sólidas. Segundo Charlie Munger, em diversos aspectos da vida, se você quer ficar mais inteligente, deve perguntar “por quê?” repetidas vezes.

Principal conclusão para founders: em processos de discovery, vale a pena ser incisivo para entender a raiz das dores dos clientes. A maneira mais segura de fazer isso é perguntar “por que?” seguidas vezes.

Crianças geralmente sabem a pergunta mais inteligente, mas depois de mais velhos esquecemos de perguntar “por quê?”

10. Combata o viés de ação

Temos viés para a ação. No entanto, o excesso de atividade nem sempre faz bem. Às vezes, sentimos a pressão de fazer algo apenas por fazer algo. Esse tipo de comportamento geralmente gera destruição de valor. Especialmente em relação a investimentos, é necessário praticar a paciência, pois a quantidade de oportunidades excelentes não é tão grande assim. É necessário esperar para escolher bem. Esse tipo de atitude pode levar a erros de omissão. No entanto, eles geralmente são melhores do que os erros de ação, que acontecem pelo excesso de atividade. Paciência é chave aqui. Como diz o ditado: nove mães não fazem um filho em 1 mês.

Principal conclusão para founders: antes de partir para a ação, avalie se não fazer nada não é uma melhor opção. Fundadores geralmente são ansiosos e têm forte viés de ação, mas o excesso de atividade pode ser prejudicial para a startup. Algumas coisas vão demorar mesmo.

É importante ter paciência, em especial em relação a investimentos. O excesso de input nem sempre se reflete em mais output.

11. Distribuição Normal

Boa parte dos fenômenos na natureza tem sua frequência explicados por uma curva normal. Pode parecer incrível, mas distribuição de peso de recém nascidos, notas de acadêmicos, quociente intelectual (QI), tamanho de sapatos e velocidade de veículos em uma rota… todos seguem uma curva gaussiana (distribuição normal), quando analisamos uma amostra suficientemente grande. O conhecimento disso faz com que melhoremos nosso modelo de decisão. Apesar da popularidade da curva normal, é importante saber que há eventos que não a seguem, como por exemplo distribuição de riqueza na população. Saber classificar esses tipos de eventos é importante para aplicar o modelo correto.

Principal conclusão para founders: o conhecimento sobre curva normal serve para gerenciar a expectativa em relação a outliers. Eles são raros. Assim sendo, quando uma situação rara acontecer, o fundador deve (i) saber agir de acordo e (ii) ter clareza de que aquele evento provavelmente não se repetirá com frequência.

As bolinhas caindo, em modo aleatório, são distribuídas de acordo com a curva normal. Esse tipo de fenômeno acontece em diversos outros eventos na natureza.

12. Survival of the Fittest

Esse conceito vem da biologia, e explica que não é o mais forte que sobrevive, mas geralmente o mais bem adaptado. Esse modelo mental pode ser aplicado ao avaliar empresas que atuam em nichos, muitas vezes concorrendo com incumbentes enormes e muito mais capitalizados: dentro daquele nicho, em uma proposta de valor definida, a empresa está bem posicionada para competir, pois se adaptou às condições do ambiente. Vale também considerar que, em outros ambientes, ela talvez não consiga se adaptar tão bem, similar ao que ocorre na biologia.

Principal conclusão para founders: uma das melhores maneiras de competir (e superar) os incumbentes é achar um nicho, ao qual o produto de sua startup esteja mais adaptado.

13. Vagamente correto é melhor do que precisamente errado

Esse modelo mental diz respeito à importância de não ser necessário acertar na mosca todas as vezes, para tomar boas decisões. Muito frequentemente, estar aproximadamente correto já é o suficiente para fazer boas escolhas. A energia que se gasta em estar exatamente correto, especialmente em relação a projeções, é desperdiçada. É muito mais racional tentar estar perto da solução certa, e se acostumar a decidir com base em informações incompletas. Esse ponto se aplica especialmente em relação a fatores que conseguimos medir (por exemplo, crescimento histórico de receita de uma startup) versus fatores que não conseguimos (exemplo: taxa de inflação no próximo ano). Temos a tendência a dar mais importância ao que conseguimos medir com precisão, e ignorar o que não conseguimos medir. Isso geralmente é um erro. É mais razoável ter um bom palpite, e montar os cenários de decisão sobre esses “chutes educados”.

Principal conclusão para founders: em relação a projeções, é importante saber que ninguém consegue prever com precisão. É muito mais sábio estar vagamente correto, com margem de segurança para manter uma margem de segurança.

14. Efeitos secundários e terciários

Em alguns sistemas físicos complexos, e também em meteorologia, com frequência alterações no equilíbrio geram efeitos secundários e terciários. Um exemplo disso são pêndulos, no qual uma leve oscilação gera efeitos secundários difíceis de prever. Esse modelo mental vale para o mundo além da física teórica: no mundo real, vale tentar pensar no efeito secundário (e às vezes terciário) de um movimento inicial. Similar a um jogo de xadrez, é importante refletir sobre as consequências antes de realizar o movimento. Quem se esquece desses aspectos acaba tomando decisões em um nível superficial, aumentando a chance de cometer erros.

Principal conclusão para founders: pensar nos efeitos secundários e terciários antes de tomar atitudes. Exemplo: após a demissão de um diretor, o gerente ficará feliz por ter mais espaço para crescer, ou ficará infeliz pela carga de trabalho adicional? Isso fará com que ele provavelmente saia da empresa, ou fique ainda mais motivado?

Pêndulos são bons exemplos de sistemas com efeitos secundários e terciários. Infelizmente, no dia-a-dia, eles são mais difíceis de enxergar, mas ainda presentes

15. Não linearidade

Em matemática, é comum a existência de funções não-lineares. Nelas, o input não é proporcional ao output. Na vida, esse tipo de efeito acontece com frequência. É mais fácil considerar que não existe não-linearidade na vida, mas é uma aproximação perigosa. Exemplos de situações não-lineares: uma ponte que aguenta 5 toneladas, mas que desaba totalmente quando colocamos 5 toneladas e 100 quilos; distribuição de renda nos Estados Unidos, em que o 1% mais rico tem 16x mais renda do que os 50% mais pobres, entre diversos outros exemplos.

Principal conclusão para founders: saber que o esforço às vezes não é proporcional ao resultado. Entender o efeito de alavancagem, e otimizar para máximo resultado com mínimo esforço.

Função não-linear: o input não é proporcional ao output. Na vida real, eventos não-lineares aparecem com frequência

16. Gerenciar expectativas

Esse modelo mental é extremamente útil para quem trabalha em vendas, ou também para quem trabalha em startups. Gerenciar as expectativas é um dos hedges mais eficazes contra decepções, desapontamentos e, em casos mais graves, mesmo burnout. É importante fazer distinção das nossas reações em dois grupos: (i) fatos que controlamos e (ii) fatos que não controlamos. Sobre o grupo (i), vale a pena ter expectativa bem alta: você está no controle, então vale colocar a barra alta e se cobrar. Sobre (ii), no entanto, é mais sábio ter expectativa baixa. Dado que não temos controle sobre esse grupo, não vale gastar energia nisso. É muito mais fácil dizer do que colocar em prática, mas vale tentar praticar esse modelo mental diariamente. Já escrevemos sobre esse tema em outra postagem de EquitasVC, que você encontra nesse link.

Principal conclusão para founders: é prudente controlar o otimismo, especialmente em relação a fatores que você não controla. Se você comunica um cenário otimista demais, e ele não é atingido, suas contrapartes vão, ao longo do tempo, para de confiar em suas previsões.

Modelos mentais, quando utilizados em conjunto com nossas experiências de vida, nos tornam mais inteligentes. Ficamos melhor amparados para decidir e, com base neles, conseguimos errar menos. Para quem está empreendendo, a tomada de decisão é algo que acontece diariamente. Ter acesso a esse ferramental faz com que você decida melhor, e consiga combater de maneira eficaz os vieses comportamentais.

A lista acima é apenas uma pequena introdução para o tema. Caso você se interesse pelo assunto, recomendo o livro abaixo: além de detalhar a história de Charlie Munger, traz em detalhes diversos exemplos de como ele usou vários modelos mentais para tomar decisões de investimento ao longo das últimas décadas. Boa leitura!